sábado, 6 de fevereiro de 2016

AS CRIANÇAS-SOLDADOS

Uma criança, que conseguiu fugir de um centro de treinamento militar no Oriente Médio, fez o seguinte relato: “O momento que nos fez temer mais foi quando houve ataques aéreos. Eles levaram-nos em túneis subterrâneos. Eles nos disseram que os americanos, os infiéis, eles estavam tentando nos matar, mas eles, os combatentes, nos amavam. Eles cuidavam de nós muito mais do que os nossos pais poderiam fazer.” E acrescentou: "Quando nós estávamos treinando, nos foi dito que nossos pais eram infiéis e que a nossa primeira tarefa seria a de voltar para matá-los.”

Essa criança, que não teve a identidade revelada por motivos de prevenção de perseguição, conseguiu depois fugir e reabraçar a mãe, uma refugiada no Norte da Síria. Por que escrevo sobre essa praga tão dolorosa das crianças-soldados? O dia 12 de fevereiro é a Jornada Mundial para fazer respeitar o protocolo da ONU que pede o fim imediato do recrutamento de crianças-soldado. Essa praga é confirmada na pesquisa que fiz conforme o endereço eletrônico que cito: O Fundo das Crianças das Nações Unidas (Unicef) e a representante especial do secretário-geral da ONU para Crianças e Conflitos Armados fizeram um chamado de ‘ação urgente para acabar com as violações graves contra crianças’.

Segundo a ONU, dezenas de milhares de meninos e meninas estão associados com as forças armadas e grupos armados em conflitos em mais de 20 países no mundo. No Afeganistão, por exemplo, as crianças continuam a ser recrutadas pelas forças de segurança nacionais e, em alguns casos extremos, usados como homens-bomba. Enquanto isso, nos territórios do Iraque e da Síria, controlados pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL), crianças a partir dos 12 anos passam por treinamento militar e são usadas para realizar atentados suicidas e execuções (https://nacoesunidas.org/em-dia-internacional-onu-exige-fim-do-uso-de-criancas-como-soldados-em-conflitos/).

De fato, nessa data, em 2002, entrou em vigor o protocolo opcional à Convenção ONU sobre os direitos da infância e da adolescência, e o tema dos menores nas guerras. É um instrumento jurídico importante que determina que nenhum menor de 18 anos possa ser recrutado na força ou utilizado diretamente nas hostilidades, tanto das forças armadas de um Estado quanto dos grupos armados. E, para dizer a verdade, assinaram esse famoso protocolo 153 países, mas o fenômeno parece que cresce cada vez mais.

Como acontece isso? Por exemplo, as milícias chegam, matam, não respeitam nada e ninguém e sequestram crianças. Isto, infelizmente, acontece todos os dias na Síria, Sudão do Sul, República Centro-africana, Ciad, Congo, Somália e outros países. Calcula-se mais de 250 mil crianças por ano recrutadas na ‘marra’, e são uns 22 Países onde se pratica essa praga. Aliás, parece que isso se tornou quase uma ‘normalidade’. E desses menores sequestrados, mais ou menos, 30% são crianças de sexo feminino, que trabalham em cozinhas, nas limpezas e para satisfazer os desejos sexuais dos soldados.

As crianças, conforme opiniões de conhecedores do assunto, são indefesas e facilmente manipuláveis e, portanto, fáceis em transforma-las soldados leais. Veja o testemunho dessa pessoa que não quis revelar o seu nome: “Os meninos são raptados e expulsos de suas casas, muitos deles muitas vezes sobreviveram aos massacres de suas famílias e, em seguida, são forçados a lutar, transportar suprimentos, desempenhar um papel de espiões ou escudos humanos. As meninas, porém, não são feitas para pegar em armas, mas são abusadas e forçadas a ter relações sexuais com os soldados além de cuidar deles, responsaveis da limpeza e das cozinhas dos campos. Cada uma se torna a ‘escrava’ de um ou mais adultos”.

As crianças, por aquilo que percebemos, aprendem rapidamente a usar armas, porque nos dias de hoje são bem leves e manipuláveis; se deixam facilmente indoutrinar e alimentar ao ódio contra as pessoas que acham ‘inimigas’; obedecem cegamente às ordens de um soldado adulto; são menos rebeldes perante os riscos que devem enfrentar numa ação de combate e além do mais não são pagas. As consequências dessas crianças são cheias de traumas e se conseguem escapar quando relembram os fatos tem uma série de convulsões. Parece que estamos perante uma tortura humana sem limites. Para dizer a verdade, eu me sinto mal somente a descrever tudo isso.

Continua uma criança que conseguiu fugir dessa atrocidade ‘criança-soldado’: “Não era permitido chorar, mas eu pensava em minha mãe, a quanto podia estar preocupada comigo e buscava chorar em silêncio ou pelo menos que não me vissem. Quando fugimos, junto com outras crianças, e revi minha mãe foi como tivesse nascido de novo”. O mundo -também você- não pode ser um telespectador perante esse drama, mas tem que fazer algo para que o futuro dessas crianças se torne mais digno e humano.

Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.

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