segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Manoel de Barros: “O apanhador de desperdícios”

Minha amigo Sabka: você sabe da minha imensa ternura por você. Apesar dos exageros próprios de amigos que se amam, especialmente quando você diz que escrevo maravilhosamente bem sobre qualquer assunto. Porém, permita discordar de um ponto precioso: - aquele que fala de ter pena de si mesma. Talvez, inconscientemente, este sentimento surja por instantes em minha vida, mas não é uma prática comum, visto que, seria incoerente com os meus princípios e verdades. Para mim, nenhum ser humano é digno de pena. Este é o pior de todos os sentimentos.
Bem sabe você das agruras que enfrento. E, como você mesmo aconselha, sempre arregaço as manga, sacudo a poeira e dou a volta por cima. Ou, ainda, coloco um belo sorriso no rosto e vou à luta, sem temeridades. E, assim, espero nunca lhe decepcionar, pois tenho um carinho imenso por você.
Sua amiga baiana “arretada” a exemplo de todos os nordestinos traz na alma a resiliência própria de um povo que aprendeu a viver e driblar as adversidades. E, apesar de tudo, inclusive do preconceito e discriminação com esta gente maravilhosa, o baiano é “um povo a mais de mil”, que tem Deus em seu coração e a alegria na alma. Como coqueiro, enverga humildemente e espera o temporal passar, logo depois, volta elegantemente a sua posição original. É um povo de paz e de alegria os meu nordestinos.
Mas, nobre amigo Sabka, infelizmente, tem momentos na vida que é insuportável esboçar um sorriso e fingir que está tudo bem. Em menos de seis meses, perdemos três nordestinos arretados: João Ubaldo, Ariano Suassuna e Rubem Alves. Talvez, alguém me questione sobre o que eu tenho a ver com eles. Resposta fácil. Temos belos encontros nesta vida e o privilégio de ver nossos caminhos se cruzando com os de pessoas lindas, sábias, encantadoras e generosas. Pessoas do tipo que emprestam com prazer sua luminosidade, oferecendo com alegria um pouco do muito que sabem, conhecem e dominam. E, estes três eram assim: sabiam muito, eram gênios da literatura, do viver constante com parcimônia e dedicaram as suas vidas a ensinar as outras pessoas. E, ensinar não o abecedário, mas a viver com sabedoria, a serem mais humanos e solidários. E, acima de tudo, a cultivar a aprendizagem e a inteligência para transformar o mundo em um lugar mais agradável para se viver.
Pessoas assim são raríssimas neste mundo de valores retorcidos, de imperialismo da esperteza, do egoísmo, da desmaterialização dos sentimentos nobres (amor, solidariedade, compreensão, companheirismo, doação, gratidão) para a supremacia de valores fugazes e medíocres.
Incondicionalmente, as pessoas, das quais me refiro, tem o dom natural e maravilhoso de fazer o outro feliz. Às vezes, a única exigência é simplesmente um sorriso sincero. Contribuem de forma significativa para o crescimento intelectual, profissional e humano de seu próximo porque vivem plenamente os mandamentos divinos. Especialmente, àquele que diz: amai ao teu próximo como a ti mesmo.
Assim, hoje, às oito e meia da manhã, o mundo ficou mais pobre porque perdemos mais um desses seres de rara inteligência, que tiveram como missão de vida, fazer poesia, ensinar o outro a ser feliz, emocionar, dizer o indizível com palavras simples. Impossível amigo Sabka não ficar triste ao saber da morte de Manoel de Barros. Espero que você não tome esta minha atitude como vitimização. Perdoe-me, mas minha alma é sensível demais e quando amo, vou aos extremos, quero fazer parte da vida do outro e quero que ele seja tão somente feliz.
Assim, hoje, meu coração está de luto. Apesar de saber que nosso querido Manoel de Barros descansou, está feliz fazendo uma festa no céu, mas, nosso Brasil e o mundo literário ficam mais pobres. E, eu fico carente de homens nobres que tiveram uma missão muito especial na terra: ensinar ao outro a arte de aprender sorrindo e com muita ternura. E, esta magnitudenos faz lembrar que existimos, não estamos sós, nem perdemos a capacidade de amar e, o mais importante, de ser amados.
Manoel de Barros, ser generoso, de uma encantadora doçura no olhar e de sabedoria rara, própria dos seres predestinados ao amor, que o amor sublime transcende os limites da racionalidade humana, os limites da nossa compreensão, pobres mortais cheios de vaidades e incongruências. Apossando-me da sensibilidade do poeta Manuel de Barros: “Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. /Tenho abundância de ser feliz por isso./ Meu quintal é maior do que o mundo”. Assim, já não dou conta de minhas atribuições.
Manoel de Barros seja você agora um ser de luz iluminando a nós pobres mortais. E, receba meus sinceros agradecimentos por tudo que me ensinou com suas poesias e seu olhar de menino travesso. Com o doce perfume da Bahia, meu carinhoso abraço e um até breve. Que a eternidade lhe seja suave como foi sua vida terrena ao lado de sua linda família. Amém.
Fonte:   EDILEUSA REGINA PENA DA SILVA é jornalista, relações públicas, professora universitária e amante da boa literatura. Professora - Universidade Federal de Mato Grosso/Campus de Rondonópolis-MT pena.edileusaregina@gmail.com 



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