quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O grau de prosperidade

D. Pedro
A bordo do navio inglês que o levaria à Europa, Dom Pedro escreve um bilhete: "Meu querido filho e meu Imperador...enquanto vida tiver, as saudades jamais se extinguirão em meu dilacerado coração", confessou nas primeiras linhas. "Deixar filhos, pátria, amigos, não pode haver mais sacrifício; mas levar a honra ilibada, não pode haver maior glória". Desabafou o ex-Imperador que abdicara em favor do filho de cinco anos de idade.

Na verdade, o português Dom Pedro amava o Brasil mais que muitos brasileiros que nos cercam. Em seus tumultuados anos dirigindo o país, demonstrou que reconhecia a potencialidade desta terra diante da decadência europeia. "Eu me retiro para a Europa: assim é necessário para que o Brasil sossegue, o que Deus permita, e possa no futuro chegar àquele grau de prosperidade de que é capaz". Em seguida, seus olhos avistavam o Rio de janeiro pela última vez.

Dom Pedro visualizava níveis na escala da prosperidade. E é impossível pensar em prosperidade sem levar em consideração felicidade, bom sucesso. Ele antevia uma nação próspera. Afinal por aqui respirava-se os ares do novo mundo. Somavam-se às riquezas naturais, a vontade de crescimento, os imensos espaços a serem conquistados e as boas-vindas a todos os estrangeiros. A visão geopolítica de Pedro Ultrapassava as Américas e projetava o Brasil entre as principais nações do mundo. Em poucas palavras, o Império do Brasil tinha tudo para ser destacadamente próspero no panteão das nações.

Assim era Dom Pedro. Impetuoso, soldado, músico (além de compositor, tocava piano, clarinete, flauta, fagote, trombone, violino, violão, cravo e lundu), leitor (reserva duas por dia para a leitura), querido pelo povo, abolicionista ("a cor do meu sangue é igual à do negro"), poeta, pintor, mecânico, marceneiro, torneiro, cavaleiro, além de libertador do Brasil e também de Portugal, onde morreu aos 35 anos de idade. Mas, o que deu errado? Alguém olhará ao redor e afirmará que obtivemos progresso. De fato, de 1831 aos nossos dias o Brasil progrediu. E isto foi inevitável. Porém, será que alcançamos o grau de prosperidade desejado por Dom Pedro?

Kerche e Carneiro afirmam que "os homens públicos querem se manter no poder, independentemente do modelo institucional vigente em seu país". E mais: "Não há qualquer garantia de que o partido político será fiel às suas promessas ou beneficiará os mesmos grupos da coalizão vitoriosa que sustentava o antigo líder". Mas, então por que líderes democráticos permanecem, em média, duas vezes menos tempo no poder do que ditadores que têm como marca de governo a corrupção e a guerra"? Para isso, os autores apontam que "o desenho institucional dos países determina a longevidade dos líderes no poder". (www.scielo.br/pdf/nesc/n73/a16n73.pdf), Será a corrupção a marca do desenho institucional em nosso país?

Alguém dirá que as características do imperador não cabem mais num estadista do século XXI. Hoje, dizem que é importante ser de origem humilde, passado fome na infância e perseguido elos ideais. Dizem que o governante deve falar a língua do povo e defender os interesses da maioria. Dizem que são essenciais a aparência e a ingerência na política externa (com bravatas de gravatas). E alguns dizem que o bom governante é o que usa uma farda... Pelo que vejo, essas características são capengas e fracas, motivo mesmo de sátiras internacionais.

Creio que faltam nos estadistas de nosso país pelo menos três marcas de Dom Pedro: a capacidade de amar a pátria acima de seus interesses pessoais; a determinação de ter o conhecimento acadêmico sem perder a praticidade da vida ou seja, "faça o que digo porque eu sei o que estou dizendo e eu faço o que estou afirmando", e  a certeza de que está contribuindo para a prosperidade do país (a sonhada felicidade de todos) e não apenas para o progresso (atualmente significando o enriquecimento de alguns). Esse misto de características estava em Dom Pedro, Maurício de Nassau, Juscelino Kubistschek e  em alguns momentos de Getúlio Vargas.

Infelizmente, as últimas décadas abortaram a chance de sermos governados por estadistas. O veneno da corrupção poluiu a democracia brasileira. O povo tem votado no  menos ruim. Candidatos se travestem de beatos fazendo promessas de eleitores. O voto passou a valer um par de dentaduras. Uma bolsa-vale-tudo. Industrias preferem  o progresso lá de  fora. Obras eternamente inacabadas. Sempre falta alguma coisa nesse nosso progresso. E tenho certeza que é o tal grau de prosperidade.

Fonte: Moisés Selva Santiago - Jornalista / Jornal  O Estadão do Norte

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